Quando se fala em desenvolvimento económico, temos tendência em pensar em transformações ou investimentos de grande escala. Pensamos nas tão faladas obras públicas ou na atração de investimento. De fora do discurso público está a pequena voz de David que luta contra os Golias da modernização que tantas expectativas têm defraudado. Falo, nem mais, nem menos, do comércio local e do efeito multiplicador que tem na economia.
A política para o desenvolvimento do comércio local tem-se reduzido, na maioria, a campanhas de notoriedade e estímulo à compra nessas superfícies. Campanhas que, tendo a sua importância, são um sedativo numa ferida aberta. Atenuam a dor, mas não resolvem o cerne do problema: a falta de uma política de desenvolvimento do comércio local como espinha dorsal da vida das cidades, vilas e localidades do nosso país.
O trabalho feito pelo National Main Street Center, nos Estados Unidos, sobre os programas de revitalização do que no outro lado do Atlântico chamam de main street, demonstra um nível de consciência mais avançado sobre este tema e um retorno claro do investimento feito. Para além da requalificação de edifícios, do emprego e negócios criados, o reinvestimento de 20 dólares por cada dólar investido na comunidade. Um dado importante e que reforça a importância do comércio local no desenvolvimento das comunidades.
O impacto económico do comércio local é estudado há mais de 20 anos no universo norte-americano. Segundo o Institute for Local Self-Reliance, este impacto é três vezes maior quando se compra no comércio local ao invés de numa grande superfície. E o estudo Small Business Economic Impact Study reafirma essa tendência; enquanto 67% do dinheiro gasto no comércio local é reinvestido localmente, apenas 20% de uma compra numa grande superfície o é.
O comércio local é um fator de desenvolvimento que não pode ser ignorado. Ajuda ao desenvolvimento do espaço comum, ao aparecimento de novos negócios, e à criação e manutenção de empregos estáveis e especializados. Mas vai além do desenvolvimento económico. Tem um impacto ambiental significativo, ao reduzir a necessidade de embalagens e transportes de longa distância, e ao possibilitar também o estímulo à produção ecológica; um impacto cultural importante para a preservar a produção tradicional, de histórica e única das regiões; e, claro, um efeito social relevante com oferta personalizada e a criação de laços comunitários.
Tendo em conta a importância que o comércio local pode ter no desenvolvimento no país, estranha-se que tão pouco seja feito. Especialmente se tivermos em conta que 82% dos portugueses preferem comprar no comércio local (acima da média europeia de 74%), destacando a conveniência, menos filas e ausência de deslocação.
E oito em cada dez portugueses prefere e confia mais nas recomendações de lojistas que conhecem. No entanto, a título de exemplo, apenas três em cada dez concretiza essa preferência nas compras de Natal. É claro que o país necessita de uma política que torne o comércio local, não só numa intenção, mas numa escolha que dinamiza a atividade económica das comunidades locais.
Precisamos de fomentar um dia a dia onde os espaços de aprendizagem, cafés, padarias, postos de correio, estacionamento, mercearias, ginásios, talhos, cabeleireiros ou serviços de bem-estar fazem parte da nossa comunidade local. Precisamos de começar a olhar para o comércio local como um motor da economia do futuro: próspera, humana e sustentável. Isto só possível com uma política que o veja dessa forma.
Nota: este texto foi publicado em primeira mão, em março de 2023, no Jornal Económico.